Como pais, sempre desejamos proporcionar aos nossos filhos uma vida melhor do que aquela que tivemos e a oportunidade de alcançarem condições melhores que as que temos, como adultos.

Nessa busca por conforto e uma vida melhor, tornou-se rara, em muitos lares, a participação dos filhos na realização de tarefas domésticas. Guardar a louça, lavar o quintal, estender ou recolher a roupa, arrumar o próprio quarto são atividades desconhecidas ou não praticadas por muitas crianças. Normalmente, são feitas por mães sobrecarregadas ou funcionárias domésticas. Seria essa, realmente, a melhor forma de educá-las?

Logicamente, discutir “a melhor forma de educar” pode trazer à tona questões muito delicadas, visto que essa “melhor forma” depende dos valores de cada família, das expectativas e propósito dos pais em relação aos filhos, e à concepção de mundo em que se baseiam. Portanto, essa não é uma tarefa simples.

No entanto, mesmo que não se possa avaliar “a melhor forma de educar”, podemos utilizar um parâmetro comum para aferir nossas ações. Posso afirmar que, pessoalmente, sou adepta ao modelo bíblico cristão para a construção dos meus valores pessoais, e eles norteiam os princípios adotados por minha família. No entanto, independente da visão adotada, acredito que a possibilidade de analisar os benefícios de determinadas práticas é sempre útil para provocar uma reflexão e, neste artigo, pretendo expor algumas contribuições da participação nas atividades domésticas para a formação do caráter e o desenvolvimento cognitivo das crianças.

Desenvolve a prestatividade

As crianças que ajudam em casa tornam-se pessoas prestativas. Uma escritora americana reconhecida por sua grande contribuição em diversas áreas, inclusive educação, afirma em um de seus livros que “enquanto [as crianças] ainda são pequenas, deve a mãe dar-lhes alguma tarefa simples para fazer, cada dia. Levará mais tempo para os ensinar do que fazê-la ela própria, mas lembre-se que deve, para a formação do caráter deles, deve ser lançado o fundamento da prestatividade.” White, 119. É essa prestatividade que prepara a pessoa para ser útil à família e à sociedade. A mesma autora continua: “Dai aos vossos filhos algo para pensar, algo a fazer, para que possam estar habilitados para a utilidade nesta vida e na vida futura” (p. 120).

Evita comportamentos inadequados

De forma contundente, a autora mostra como a ocupação em atividade útil é necessária para preservar a criança e o adolescente de envolverem-se com companhias inadequadas e desenvolver hábitos prejudiciais. Ela afirma que “uma das mais seguras salvaguardas da juventude é a ocupação útil. As crianças que são adestradas nos hábitos de trabalho, de maneira que todas as suas horas sejam úteis e agradavelmente empregadas, não têm inclinação para queixar-se de sua sorte, nem tempo para ociosas ilusões. Correm pouco perigo de adquirir hábitos perniciosos ou andar em más companhias.” White, 122. Pessoalmente, considero impossível ler esse texto e não compará-lo à situação de muitas crianças em nossos dias. Quando comparamos a situação da infância hoje com a de nossos avós ou até mesmo alguns de nossos pais, vemos que eles não possuíam praticamente nenhum dos recursos que as crianças de hoje possuem. No entanto, atualmente, a insatisfação de muitas crianças em relação à escola e sua condição de vida, mesmo quando cercadas de conforto e brinquedos, é bastante preocupante. Seria essa insatisfação o resultado de não conhecerem a quantidade de esforços despendidos pelas gerações anteriores para que elas desfrutassem das condições que agora possuem?

Desenvolve a autonomia e a autoestima

Ao contrário do que muitos pensam, a superproteção mina a autoestima da criança. Quando ela recebe tudo pronto e ainda vê os pais se consumindo na tentativa de protegê-la excessivamente, ela compreende, mesmo que de forma inconsciente, que há algo de errado com ela. Apenas uma incapacidade muito grande de sua parte justificaria tamanho esforço dos pais. Ao contrário desse quadro, a realização de atividades domésticas e o devido incentivo e reconhecimento por parte da família ensina as crianças “a confiarem em si mesmas.” White, p. 123. Sem dúvida, uma criança devidamente conduzida e incentivada, ao terminar uma tarefa, alcança o senso de realização e autonomia que baseia o desenvolvimento de uma autoestima saudável.

Desenvolve as faculdades da mente

Em uma citação pequena, Ellen White faz uma afirmação surpreendente para a época em que foi escrita e que corre o risco de passar desapercebida. No entanto, os especialistas em educação dos dias de hoje, quando a leem atentamente, não podem deixar de demonstrar admiração. Em um trecho, ao dizer que as crianças devem ajudar nas tarefas domésticas, ela orienta: “Una o trabalho físico ao mental, e as faculdades da mente se desenvolverão muito mais”. White, 126. Seria isso possível? Será que, realmente, uma criança pode obter desenvolvimento mental ao auxiliar sua família em casa?

Aparentemente, na atualidade, pensamos que estudar desenvolve a mente, enquanto o trabalho manual não tem a mesma finalidade. Então, se queremos que a mente de nossos filhos se desenvolva, eles devem estudar muito e deixar de lado as atividades domésticas e manuais, certo? Afinal, o trabalho da criança é estudar! Infelizmente, esse é um grande engano.

Muito antes da aprendizagem escolar, a criança começa a absorver e assimilar conhecimento através do meio em que ela vive. Pesquisas mostram que “o despertar intelectual da criança se dá durante as interações adulto-criança que ocorrem naturalmente nas atividades do dia a dia.”Eyer e Golinkoff, p. 16. Ela observa os objetos ao seu redor e, quanto mais precisa lidar com eles, mais faz relações em sua mente a respeito de como funciona o mundo físico. Essas relações são transpostas depois para a aprendizagem escolar, e são, inclusive, um requisito para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, especialmente, mas também são importantes para a compreensão de outras disciplinas.

Muitas das dificuldades encontradas pelas crianças no início da aprendizagem escolar poderiam ter sido prevenidas caso elas tivessem, em casa, a quantidade de atividade necessária para o desenvolvimento dessas noções. Neste artigo, serão expostos alguns exemplos, de forma bastante resumida. Porém, essa é apenas uma pequena amostra do que o trabalho doméstico pode desenvolver.

Ao guardar seus brinquedos separados por categorias (bonecas, carrinhos, jogos, bichinhos), por exemplo, a criança está aprendendo aclassificar os objetos.  O mesmo acontece quando ela precisa separar as roupas recolhidas do pai, da mãe, de cada irmão, etc., ou quando precisa guardar suas próprias roupas nas gavetas, de acordo com o tipo – camisetas, calças, meias, pijamas… Enquanto guarda os itens seguros de louça, ela coloca um objeto dentro do outro. Assim, desenvolve a percepção do que é maior ou menor, o que cabe dentro de um determinado espaço ou não. Com isso, ela aprende também os conceitos de dentro, fora, prateleira de cima, armário de baixo… Colocar os objetos à mesa em quantidade suficiente para cada pessoa que participará da refeição auxilia na elaboração do conceito de número, etc.

Esses foram alguns pouquíssimos exemplos, mas seria possível mencionar muitas outras formas como a realização de atividades domésticas contribui para o desenvolvimento noções como seriação, classificação, comparação, correspondência termo a termo, quantificação, exploração de padrões, ordenação, reversibilidade, etc.

Se você não compreendeu alguns dos termos destacados nos dois últimos parágrafos, ou não entende como isso se relaciona exatamente com a aprendizagem, não se preocupe. Às vezes, a linguagem dos pedagogos é bastante particular (ou expressa um significado específico). De qualquer forma, todas essas noções são muito importantes para a aprendizagem, e elas podem ser desenvolvidas em seu filho se você se dispuser a transformá-lo em seu pequeno ajudante.