O lar deveria ser um local de referencia em segurança e cuidado para crianças e adolescentes. Porém, nos casos de violência sexual é geralmente na privacidade do ambiente doméstico que ocorre abuso.

Um balanço realizado a partir de ligações efetuadas em 2017 para o Disque 100, serviço brasileiro de recebimento de denúncias, constatou que 62% dos atos de violência contra menores foram praticados por familiares, na residência da vítima ou na dos acusados.

Em outros países sul-americanos, a situação se repete. Na Argentina, por exemplo, dados do governo coletados em 2016 revelaram que 75% dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes foram cometidos por um familiar.

Diante desse cenário, a advogada Luíza Teixeira, chefe do escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) na cidade de Manaus, no Norte do Brasil, explica como esse tipo de violência pode ser denunciado.

O que caracteriza o abuso sexual infantil?

É a violência sexual em que menores são usados para estimular ou satisfazer sexualmente um adulto, com ou sem o uso de violência, e com ou sem contato físico. Diferentemente da exploração sexual, o abuso sexual não tem gratificação (monetária ou não) do abusador para a vítima. Contudo, esse crime configura uma grave invasão à sexualidade e à integridade física e mental da criança
ou adolescente, violando assim o direito deles a um sadio desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social.

Existem políticas públicas com o objetivo de prevenir esse tipo de crime?

O Brasil foi pioneiro ao elaborar um importante instrumento legal voltado à garantia dos direitos das crianças e adolescentes: o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990. É um marco legal histórico e o ponto de partida para a promoção, elaboração e execução de políticas públicas voltadas à prevenção de crimes como o abuso sexual contra crianças e adolescentes.

Por sua vez, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), criado pela Lei 8.242/1991, é o principal órgão do sistema de garantia de direitos previsto pelo ECA. Cabe a ele aprovar documentos que norteiem as políticas públicas nessa área, como o Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, de 2014.

A prevenção é um dos eixos do plano, que preconiza o envolvimento das diferentes mídias em campanhas sobre a temática, o fortalecimento da rede familiar e comunitária e a inserção das escolas nessas mobilizações.

O problema parece complexo para se resolver.

Sim. O abuso sexual tem causas diversas atribuídas a uma série de fatores sociais, culturais e econômicos. Por isso, o combate requer uma resposta abrangente que leve em conta a complexidade desse crime.

Para tanto, é preciso ter uma abordagem que envolva outros órgãos públicos e atores sociais e que promova a ideia de que os direitos das crianças e dos adolescentes devem ter absoluta prioridade para a família, a sociedade e o governo. Nesse sentido, a prevenção requer, primeiramente, a correta compreensão desse problema, por meio de diagnósticos, pesquisas e dados.

E o que pode ser feito quanto à prevenção?

É preciso divulgar informações qualificadas sobre o abuso sexual contra meninas e meninos, a fim de educar e sensibilizar a sociedade sobre a necessidade de combater esse crime. Além disso, é necessário trabalhar pela mobilização de diversos setores do governo e sociedade a fim de que os direitos das crianças e adolescentes sejam garantidos e protegidos de qualquer violação. E, ainda, é preciso fortalecer o sistema de responsabilização para combater a impunidade e garantir o atendimento adequado às vítimas. No entanto, para que a prevenção seja bem-sucedida, é fundamental que os menores participem de todas as etapas do processo, para que conheçam seus direitos e possam reivindicá-los.

Quais autoridades devem ser informadas quando o abuso ocorrer?

As entidades de proteção à criança ou a polícia devem ser imediatamente informadas. São elas que darão o encaminhamento para efetivar a denúncia. Vale lembrar que qualquer pessoa que suspeite ou tome conhecimento de um caso de violência sexual tem a obrigação de acionar esses órgãos. Isso vale, inclusive, para educadores, líderes religiosos, profissionais de saúde e familiares.

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